segunda-feira, 31 de março de 2014

Lembrar para não repetir: Ditadura nunca mais!




Há 50 anos o Brasil começava a viver a fase mais complicada de sua história. Foi exatamente no dia 31 de março/1º de abril de 1964 que começaram os anos de chumbo, repletos de histórias tristes, torturas, mortes e desaparecimentos.

E para lembrar essa data e informar meus ouvintes sobre o que foi a ditadura, tive o prazer de receber hoje no Revista da Tarde, na rádio Inconfidência AM 880, no quadro Iepha-Memória Viva de Minas, o militante Gildásio Westin Cosenza, preso e torturado durante a ditadura militar.
Durante quase 50 minutos de conversa, ele nos relatou um pouco do que viveu, de suas lembranças e das torturas sofridas durante o regime militar.

Vale a pena conferir a entrevista, que também contou com a participação de Adalberto Andrade Mateus, técnico do IEPHA, Dênis Soares da Silva e Thiago Veloso Vitral, técnicos do Arquivo Público Mineiro.

Acesse o link abaixo e ouça um pouco da história dessa testemunha viva desse período que devemos lembrar para conhecer melhor e não deixar que ele aconteça novamente.


http://www.inconfidencia.com.br/modules/debaser/singlefile.php?id=7956
Saiba mais sobre: 

O golpe de 1964 e a instauração do regime militar



Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1o de abril do Rio, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976.


Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.

Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como por exemplo o CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife.


A junta baixou um "Ato Institucional" – uma invenção do governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. Ao longo do mês de abril de 1964 foram abertos centenas de Inquéritos Policiais-Militares (IPMs). Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de pessoas foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os cassados, encontravam-se personagens que ocuparam posições de destaque na vida política nacional, como João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes.



Entretanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais,

da Igreja católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica.










O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha liderada por Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta "Operação Brother Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango.


Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a "ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. Uma idéia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma expressão da época. Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Diversos exemplos internacionais, como as guerras revolucionárias ocorridas na Ásia, na África e principalmente em Cuba, serviam para reforçar esses temores. Essa visão de mundo estava na base da chamada "Doutrina de Segurança Nacional" e das teorias de "guerra anti-subversiva" ou "anti-revolucionária" ensinadas nas escolas superiores das Forças Armadas.

Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.


Já no início da "Revolução" ficou evidente uma característica que permaneceria durante todo o regime militar: o empenho em preservar a unidade por parte dos militares no poder, apesar da existência de conflitos internos nem sempre bem resolvidos. O medo de uma "volta ao passado" (isto é, à realidade política pré-golpe) ou de uma ruptura no interior das Forcas Armadas estaria presente durante os 21 anos em que a instituição militar permaneceu no controle do poder político no Brasil. Mesmodesunidos internamente em muitos momentos, os militares demonstrariam um considerável grau de união sempre que vislumbravam alguma ameaça "externa" à "Revolução", vinda da oposição política.


A falta de resistência ao golpe de 1964 não deve ser vista como resultado da derrota diante de uma bem articulada conspiração militar. Foi clara a falta de organização e coordenação entre os militares golpistas. Mais do que uma conspiração única, centralizada e estruturada, a imagem mais fidedigna é a de "ilhas de conspiração", com grupos unidos ideologicamente pela rejeição da política pré-1964, mas com baixo grau de articulação entre si. Não havia um projeto de governo bem definido, além da necessidade de se fazer uma "limpeza" nas instituições e recuperar a economia. O que diferenciava os militares golpistas era a avaliação da profundidade necessária à intervenção militar.


Desde o início havia uma nítida diferenciação entre, de um lado, militares que clamavam por medidas mais radicais contra a "subversão" e apoiavam uma permanência dos militares no poder por um longo período e, de outro lado, aqueles que se filiavam à tradição de intervenções militares "moderadoras" na política – como havia acontecido, por exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido retorno do poder aos civis. Os mais radicais aglutinaram-se em torno do general Costa e Silva; os outros, do general Humberto de Alencar Castelo Branco.


Articulações bem-sucedidas na área militar de um grupo de oficiais pró-Castelo e o apoio dos principais líderes políticos civis favoráveis ao golpe foram decisivos para que, no dia 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumisse a presidência da República, eleito, dias antes, por um Congresso já bastante expurgado. O novo presidente assumiu o poder prometendo a retomada do crescimento econômico e o retorno do país à "normalidade democrática". Isto, no entanto, só ocorreria 21 anos mais tarde. É por isso que 1964 representa um marco e uma novidade na história política do Brasil: diferentemente do que ocorreu em outras ocasiões, desta vez militares não apenas deram um golpe de Estado, como permaneceram no poder.

Autor do texto: Celso Castro
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964

sábado, 29 de março de 2014

Leonardo Sakamoto: "Hoje é daqueles dias em que sinto uma vergonha enorme por ser homem"




Imperdível o texto e a reflexão sobre como a mulher ainda é vista pelos brasileiros. O autor é Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. 

Ele também é professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.


Hoje é daqueles dias em que sinto uma vergonha enorme por ser homem
Leonardo Sakamoto


Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que 42,7% da população concorda totalmente que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas'' e 22,4% concordam parcialmente com a afirmação. E 35,3% concordam totalmente que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros''. Outros 23,2% concordam parcialmente.

Quem se assustou com isso não conhece o país em que vive.

Vou reproduzir um comentário que já havia feito aqui:

Para uma parcela considerável da sociedade, não se enquadram na categoria de “vagabundas'' apenas mães e avós, que dormem o sono das santas católicas, enquanto quem é “da vida'' povoa as ruas e a madrugada.

Porque “mulher de bem'' cuida da família, não sai sozinha ou à noite, não aceitaria nunca colocar um vestido acima do joelho e deixar as costas de fora, não bebe, fuma ou tem vícios detestáveis, não ama apenas por uma noite e não ri em público, escancarando os dentes a quem quer que seja.

“Mulher de bem'' permanece em casa para servir o “homem de bem'' e estar à sua disposição como empregada, psicóloga, enfermeira, cozinheira ou objeto sexual, a qualquer hora do dia e da noite. Por que? Porque, na cabeça dessa parcela considerável da sociedade, elas pertencem a eles. Porque assim sempre foi, é assim que se ensinou e foi aprendido. É a tradição, oras!

E o discurso da tradição, muitas vezes construído de cima para baixo para manter alguém subjugado a outro não pode ser questionado.

Nesse sentido, quem ousa sair desse padrão, pode ser vítima de alguns “corretivos sociais''. Reclamamos de estúpidos muçulmanos que, do alto de uma interpretação bisonha do Corão, atacam mulheres que resolveram ser independentes, mas acabamos por fazer o mesmo aqui. Não é a contundência de um vidro de ácido lançado no rosto de quem deixou a burca ou o shador em casa. Mas pode corroer tão fundo quanto e deixar marcas que podemos não perceber.

Corretivos sociais que aparecem na forma de “inocentes'' brincadeiras, de comentários maldosos, de críticas abertas, de encoxadas humilhantes, de assédio psicológico ou físico, de tentativas e de estupros consumados.

As formas de violência que não envolvem agressão física são também perversas porque, como tal, não são encaradas. “Não foi nada demais, apenas uma brincadeira'' ou “Esqueça! Ele é jovem! Só está fazendo molecagem.''

Uma mulher que conversa de forma simpática em uma festa está à disposição.

Uma mulher que se veste da forma como queira está à disposição.

Um grupo de mulheres sem “seus homens'', andando na noite, está à disposição.

Depois perguntam o porquê de Marchas das Vadias acontecerem ao redor do mundo para protestar pelo direito de viver da forma que melhor convier.

Torço para que a quantidade bizarra de histórias sobre rapazes que crêem que moças são objetos à sua disposição seja consequência do aumento de informação circulando por conta do crescimento das ferramentas de redes sociais e não por causa de uma mudança no seu comportamento. Ou seja, fatos que já aconteciam antes e que, agora, deixaram a penumbra e ganharam visibilidade. Caso contrário, vou entrar em depressão profunda.

- Você não tem namorado. Se tivesse, ele não te deixava sair sozinha.
- Mulher minha só vai para festa comigo do lado.
- Não importa que você não queira, se não me der um beijo, eu não deixo você ir.
- A culpa não é minha, olha como você tá vestida!
- Se saiu de casa usando só isso de roupa, é porque estava pedindo.
- Ei, mina, se liga! Se não queria ficar comigo, porque topou trocar ideia?

Como já trouxe aqui, o homem precisa começar a entender que tem direito ao afeto, às emoções, a sentir. Passar a ser homem e não macho. Começar a mexer na sua programação que, desde pequeno, o ensina a ser agressivo e a tratar mulheres como coisas. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto em público. Legal é xingar, machucar, deixar claro quem manda e quem obedece. O contrário é coisa de mina. Ou, pior, de bicha.

E vale ressaltar: homens e mulheres responderam essas aberrações no estudo, sendo as mulheres, aliás, a maior parte. Porque esse sistema de homens conta com soldados de ambos os lados. Não importa de onde vem o preconceito, a matriz continua machista. Meninos e rapazes, mas também meninas e moças, deveriam ser devidamente educados, desde cedo, para que não se tornassem os monstrinhos hoje formados em ambientes que fomentam o machismo, como família, igrejas e escolas.

Enquanto o processo de conscientização caminha, o Estado deve deixar claro que violência contra mulheres, seja ela física ou verbal, não pode ficar sem punição. Pois enquanto uma mulher não tiver a garantia de que não será importunada, ofendida ou violentada, com ações ou palavras, toda a sociedade vai ter uma parcela de culpa. Pelo que fez. Pelo que deixou de fazer. Ou seja, não fiquem tranquilos se estiverem na porcentagem que respondeu outra coisa.

Enfim, a pesquisa apenas confirma o que já sabemos. Mesmo assim, ver os números, escancarados, gera uma sensação ruim.

Sim, hoje é um daqueles dias em que sinto uma enorme vergonha de ser homem.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/03/27/hoje-e-daqueles-dias-em-que-sinto-uma-vergonha-enorme-por-ser-homem/?fb_locale=pt_BR

sábado, 22 de março de 2014

Dossiê: mineração afeta 32 cidades no RJ e MG


Confiram essa reportagem feita pelo Canal Ibase, sobre os danos provocados pelo Projeto Minas-Rio.

Camila Nobrega e Rogério Daflon
Do Canal Ibase

Pelo menos trinta e duas cidades brasileiras já foram atingidas pelo projeto Minas-Rio, um dos maiores empreendimentos minerários do mundo.



Casa destruída em frente à placa da LLX/Foto: Camila Nobrega

Ele começa com a extraçãode minério na cidade Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, corta dezenas de municípios por onde passa um minerodutoe termina no Porto do Açu, empreitada do polêmico empresário Eike Batista, em São João da Barra, no Rio de Janeiro. Diante de um quadro aterrador, um dossiê inédito elaborado por entidades dasociedade civil reúne informações que dão a dimensão de como os territórios estão sendo devastados social e ambientalmente. A indignação de povos dos dois estados foi transformada em união e combustível para a resistência.

Os grupos de atingidos de São João da Barra e de Conceição do Mato Dentro se conheceram, fizeram visitas mútuas e observaram que as violações numa e outra cidade guardavam trágica semelhança. Eles se juntaram então, a entidades como Ibase, Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) ,o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA) da UFMG e da UFF, para organizar os dados que expõem os estragos desse empreendimento que arrasou modos de vida e destruiu o ecossistema local com o aval dos governos dos dois estados e do governo federal. O cenário, como evidencia o documento, se compõe de graves violações de direitos humanos. A vida dos moradores dessas cidades foi atropelada, e eles viram suas lavouras serem utilizadas para uma concentração de terra sem precedência nessas regiões e os bens comuns, como caminhos, recursos hídricos e a maior restinga da América Latina revertidas para empresas privadas, ou seja, para acumulação de capital.

- A questão fundiária nesse projeto é emblemática. 
Nesse processo, 30 mil hectares (seis mil em minas e 26 mil no Rio) foram comprometidos – assinala o geógrafoEduardo Barcellos, da Associação dos Geógrafos Brasileiros.

A falta de senso dos órgãos ambientais – pressionados pelos governos dos dois estados que se deslumbraram com a megalomania dos empresários à frente dos empreendimentos em Minas e Rio – causou distorções que levaram populações a sofrimentos desnecessários.



Mina de Conceição do Mato Dentro/ Foto: Rogério Daflon

As compensações ambientais acordadas, por exemplo, não levaram em conta modos devida tradicionais. Um exemplo disso é o processo pelo qual foi criado o Parque Estadual da Lagoa do Açu,em São João da Barra. Com mais de oito mil hectares e classificado como área de proteção integral, ele se sobrepôs a atividades produtivas tradicionais e impactou a vida de pessoas de dois assentamentos: Che Guevara e Ilha Grande, ou seja, em as áreas de reforma agrária, o que mostra a arbitrariedade e a inconsistência do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
A remoção de famílias foi brutal, tanto em Minas como no Rio. Áreas em que viviam, sobretudo, agricultores familiares e pescadores foram alvo de desapropriações por decretos estaduais, sem qualquer consulta pública, declarando-as de utilidade pública.

(Vídeo expõe sofrimento dos atingidos)

- É como se produzir comida não fosse de utilidade pública – disse Barcellos.

O geógrafo ressaltou que a expulsão das pessoas resultou em um processo de formação de novos latifúndios nas mãos de empresários brasileiros e estrangeiros, numa transação avalizada pelo poder público brasileiro.

O ambiente de negócios do projeto Minas-Rio foi pautado pela mania de grandeza dos governos e da iniciativa privada. Perigosamente entrelaçados, não só fizeram vista grossa às violações cometidas nos territórios dos empreendimentos como se tornaram cúmplices. Dados expostos no dossiê mostram que os órgãos ambientais foram ineficientes diante dos constantes descumprimentos de acordos relacionados às condicionantes dos projetos.

Causou espanto que as licenças ambientais, em vez de tratar o projeto como um só, o fragmentaram em três. O Ibama, que por ser um órgão federal deveria dar a licença ao projeto como um todo, só o fez nas áreas atingidas pelo mineroduto. Os órgãos ambientais de Minas e do Rio fizeram as licenças, respectivamente, em suas áreas. Essa divisão não só abriu mão de uma visão completa dos impactos do projeto como também foi responsável pelos descumprimentos de acordos relacionados às populações atingidas e ao meio ambiente. Em Conceição do Mato Dentro, por exemplo, algumas famílias chegaram a ficar sem água como consequência da atividade mineral da Anglo American. Essas pessoas, contudo, estão cada vez mais conscientes. A terra, na vida dessas famílias, é elemento central para a garantia da sobrevivência. Essa é a luta que une os moradores das cidades impactadas, como afirma o pesquisador do Ibase Carlos Bittencourt.
- Nossa aposta é nos intercâmbios entre as diversas resistências do Brasil frente à mineração, a fim de que saiam do seu isolamento local, dialoguem entre si e possam construir uma alternativa nacional a esse modelo destrutivo que devasta tantos territórios no Brasil – disse Bittencourt.

Como os governadores têm ignorado o pedido de diálogo das populações atingidas, várias formas de lutas começaram a ser costuradas. Ao se encontrarem, as populações atingidas de Conceição e São João trocaram angústias, dilemas e impressões. Formou-se uma rede de solidariedade. Nesse processo de resistência, algumas vitórias já foram conquistadas. Há várias ações judiciais em andamento nos ministérios públicos dos dois estados e do órgão federal. No Rio de Janeiro, a Comissão de Direitos Humanosda Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) está atenta à questão e já convocou audiências públicas. A isso tudo se somam investigações de caráter trabalhista, tendo em vista as greves de operários da LLX e da Anglo American, que denunciam a precarização do trabalho.

O clima também é de total injustiça ambiental. Em São João da Barra, a maior área de restinga do país está ameaçada.E, provocada pela construção do Porto, a salinização dos terrenos na região prejudicou a agricultura e reduziu a produtividade dos solos a menos da metade.

O que ocorre em Minas e no Rio é o retrato da falta de diálogo do Brasil com os seus diversos brasis. O governo brasileiro tem deixado as portas abertas para os empresários e fechado negócios à revelia das populações que são diretamente afetadas pelos empreendimentos. O dossiê abaixo esmiúça todo esse processo, dando voz aos atingidos. O que eles têm a dizer é tão importante que pode levar a uma reflexão sobre o atual modelo de desenvolvimento do país.

O dossiê disponível na íntegra é assinado por:



Associação de Geográfos Brasileiros Seção Rio de Janeiro / Niterói – AGB
Associação dos Proprietários de Imóveis e Moradores de Pipeiras, Barcelos, Cajueiro e
Campo da Praia – ASPRIM
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Comissão dos Atingidos de Conceição do Mato Dentro
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG
Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS/UFJF
Instituto Brasileiro de Pesquisa Socio Econômica – IBASE
Instituto Federal Fluminense – IFF-RJ
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos – NERU/UFF
Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento – NEED/IFF
Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais-NESA/UFF
Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA
Universidade Federal Fluminense – UFF
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ

Projeto Minas-Rio, uma história de violações