Foto: Déborah Rajão
Foto: Déborah Rajão
Parabéns ao jornal Hoje em Dia pela excelente série de reportagens, divulgada nesta semana, sobre os impactos provocados pela mineração em Conceição do Mato Dentro.
Conceição do Mato Dentro, uma pequena cidade mineira, histórica e de povo acolhedor, sempre foi um lugar tranquilo e ótimo para se viver.
Infelizmente, a realidade local se transformou hoje em um verdadeiro caos em todas as áreas, devido à instalação da mineradora Anglo American na cidade.
Vale a pena conferir as reportagens do Jornal Hoje em Dia, feitas pela repórter Renata Galdino:
Vale a pena conferir as reportagens do Jornal Hoje em Dia, feitas pela repórter Renata Galdino:
Conceição do Mato Dentro sob a ameaça da mineração
Hoje em Dia
O drama vivido pelos moradores de Conceição do Mato Dentro, exposto nas duas últimas edições do Hoje em Dia, pode estar apenas começando. Os problemas devem se acentuar, quando estiver operando o mineroduto que está sendo construído para levar o minério de ferro até o litoral do Rio de Janeiro, para ser exportado.
Pois, junto com o minério, a tubulação de aço estará levando água doce que já não é abundante nessa região, apesar de suas famosas cachoeiras.
Esse fato motivou ambientalistas a se manifestarem contra esse empreendimento bilionário, na época em que se discutia a concessão de licença ambiental e de instalação da mina e do mineroduto. O governo não lhes deu a devida atenção. Conceição do Mato Dentro poderá ter o mesmo destino de outras cidades históricas mineiras, mais castigadas, no decorrer do tempo, do que beneficiadas pela riqueza que se escondia em suas terras.
Mineradoras poderosas, como a Anglo American, chegam nesses rincões com promessas de progresso. E vão embora, depois que o minério se esgota, deixando para trás terras e pessoas devastadas.
É irônico que um dos mais famosos conterrâneos dos que padecem hoje em Conceição do Mato Dentro, José Aparecido de Oliveira, tenha sido ministro da Cultura no governo Sarney, depois de ter sido o fundador da Secretaria da Cultura e da TV Cultura – hoje TV Minas –, quando Tancredo Neves era o governador. Pois, em sua terra, é a cultura de toda uma gente que a mineração vai aos poucos destruindo, juntamente com outros bens.
A reportagem observou a brutal transformação de uma comunidade de 18 mil moradores, depois da chegada, sem medidas de mitigação, de 8 mil operários de várias regiões do país, para as obras da Anglo American.
A empresa não construiu casas para abrigar os operários. Não era sua obrigação, pois “a implantação de alojamentos para peões na cidade não estava no licenciamento”, justificou o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra. “Sem essa previsão, não houve medida mitigadora dos impactos”, acrescentou.
Assim, a chegada de tantos novos moradores desestruturou toda a cidade, hoje ameaçada pela violência. Teria sido melhor se tivesse investido no ecoturismo.
Com tais precedentes, é de se comemorar o resultado do leilão feito ontem pela Agência Nacional do Petróleo. Nesta 12ª rodada de licitações, foram ofertados 240 blocos para exploração de gás, mas apenas 72 foram arrematados. A ANP arrecadou R$ 165 milhões em bônus de assinatura.
Ninguém se interessou pelos blocos da bacia do São Francisco. Assim, pelo menos por enquanto, essa bacia não será degradada com a possível exploração do gás de xisto, com a tecnologia usada nos Estados Unidos, mas proibida na França, pois representa grande ameaça às reservas de água do subsolo.
Obras de mineroduto devastam Conceição do Mato Dentro
Renata Galdino - Enviada especial - Hoje em Dia
Samuel Costa/Hoje em Dia
Mineroduto Minas-Rio e mão de obra atraída para trabalhar na obra transformaram a cidade
CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – Conceição do Mato Dentro, a 167 quilômetros de Belo Horizonte, não é mais a mesma desde o início da implantação do mineroduto que, de 2008 para cá, levou 8 mil funcionários para a região. A instalação do empreendimento aumentou a oferta de emprego para moradores, mas outros benefícios para a população não aconteceram.
Agora, a um mês do começo da retirada dos trabalhadores da cidade, processo que deve durar até setembro de 2014, os 18 mil moradores enumeram os problemas que terão que enfrentar por causa da presença das empreiteiras.
A lista é extensa: ruas esburacadas e sem pavimentação, violência, áreas invadidas, trânsito sem sinalização e aterro controlado transformado em lixão a céu aberto.
Expulsos de casa
A consequência mais visível – e sem previsão de solução – foi a invasão de terrenos públicos por moradores que não conseguiram mais pagar aluguel. Uma locação por R$ 300 mensais subiu para até R$ 3 mil.
O Ministério Público Estadual (MPE) estima que 200 casas e pequenos prédios na área urbana viraram repúblicas para trabalhadores diretos e indiretos da Anglo American, responsável pelo mineroduto.
“A implantação de alojamentos para peões na cidade não estava no licenciamento. Sem essa previsão, não houve medida mitigadora dos impactos”, diz o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra.
Só agora, quase seis anos após o início da instalação do empreendimento, a prefeitura corre atrás do prejuízo. “Pedimos o número exato de funcionários e moradias usadas. Vamos cobrar a fatura”, afirma o secretário municipal de Meio Ambiente, Sandro Lage.
A Anglo admite que mantém trabalhadores em repúblicas, mas não reconhece os locais como alojamentos. Há 15 dias, porém, uma equipe do Ministério Público do Trabalho flagrou 172 operários abrigados em “condições análogas ao trabalho escravo” em um imóvel na área urbana.
Improviso
Os moradores que ocuparam áreas invadidas vivem em situação precária, sem água, luz e coleta de esgoto. É o caso do vigia José Antônio de Souza, de 24 anos, há três no loteamento irregular Vila São Francisco. “Não consegui pagar R$ 500 em um barracão de dois cômodos”.
Ponto turístico da cidade, o Parque Salão de Pedras teve 600 ocupações irregulares em três meses. “Em 20 anos, foram no máximo cem”, diz Sandro. A demarcação de 80% dos “lotes” já foi removida, mas o MPE cobra da prefeitura a preservação do espaço.
Quem ainda vive de aluguel luta para bancar a despesa. Há quatro anos, a garçonete Marinete Oliveira, de 27, pagava R$ 80 por uma casa na Vila Caetano. Hoje desembolsa R$ 200, mas o dono do imóvel quer R$ 600. “Se aumentar, terei que voltar para a roça”.
O problema está longe de ser resolvido. A prefeitura pretende construir um loteamento para essas famílias, mas precisa de R$ 22 milhões.
“É uma cidade de ‘papel’. Para tudo há diagnóstico e projeto, mas nada sai do papel. Se saiu, o resultado ainda é muito incipiente”, diz o promotor Marcelo Mata Machado.
Superpopulação faz pilha de lixo crescer e ‘condena’ aterro
Os moradores de Conceição do Mato Dentro terão que conviver por pelo menos mais um ano com um problema que, pela legislação federal, deveria ser extinto em agosto de 2014: o lixão.
Desde a chegada dos trabalhadores na região, aumentou muito o volume de resíduos produzidos e levados para o aterro controlado, às margens da MG-010. Há indícios de contaminação do lençol freático.
O lixão fica em um terreno com uma guarita sem vigia ou controle de entrada e saída de veículos.
“Em 2011, notificamos os responsáveis pelo projeto (do mineroduto) Minas-Rio, pedindo que cessassem o despejo de resíduos. Para o tamanho da nossa população, deveríamos aterrar o lixo duas vezes por semana, o que não fazemos mais”, admite o secretário de Meio Ambiente da cidade, Sandro Lage.
Ele não dá esperanças de que a questão será solucionada por agora. Órgãos fiscalizadores aplicaram pelo menos três multas, de R$ 50 mil cada uma, à administração municipal.
“A previsão para 2015 é a de criação de um aterro sanitário, mas ate lá o plano é fazer com que o lixão volte a ser um aterro controlado”, diz.
Na última quinta-feira, o Hoje em Dia flagrou o depósito irregular de materiais hospitalares na área, sem aterramento.
Questionada, a prefeitura disse que dentro de um mês uma empresa dará início à coleta de dejetos domiciliares e especiais.
Sustento
Enquanto isso não acontece, o risco continua para quem tira do lixão recursos para a sobrevivência. O catador Agnaldo Alves da Cruz, de 40 anos, e a mulher buscam diariamente no entulho material para vender. Os dois torcem para que o lixão continue aberto. “Se acabar, só Deus para nos ajudar”, diz Cruz.
Diante da indefinição quanto ao lixão, Conceição do Mato Dentro se prepara para implantar o aterro sanitário por meio de um consórcio com as cidades de Alvorada de Minas e Dom Joaquim. Na última segunda-feira, representantes dos municípios elegeram a mesa gestora do grupo.
Falta de vagas em creche afasta mulheres do mercado de trabalho
Se por um lado os homens conseguiram emprego nas obras do mineroduto, mulheres que precisam trabalhar não têm com quem deixar os filhos. As duas creches públicas de Conceição do Mato Dentro têm capacidade para 90 crianças. O Conselho Tutelar afirma que o déficit chega a 200 vagas.
Uma escola infantil está sendo construída no bairro Barro Vermelho desde 2011. A previsão era a de que a obra terminasse em julho deste ano, mas a edificação ainda está sendo erguida.
O prefeito Reinaldo César de Lima Guimarães diz que o atraso na construção é um “problema que advém da administração passada”.
O gestor afirma que o imóvel será concluído no próximo mês. Em nota, garantiu que mais duas creches serão abertas em 2014.
O Conselho Tutelar busca uma solução mais rápida. Por isso, enviou formulários aos pais de crianças matriculadas em creches.
Cobertor curto
“Se houver alguma mãe que não trabalha, vamos pedir a retirada do filho para ceder lugar para quem realmente precisa”, alerta a presidente da entidade, Jamile Daniel.
A lavradora Gracielma de Fátima Silva, de 31 anos, está na torcida. Mãe de nove filhos com idades entre 11 meses e 17 anos, ela tentou matricular as duas crianças mais novas, sem sucesso.
Sem ter com quem deixar os pequenos, a família se sustenta com R$ 700 por mês.
“Se eu pudesse trabalhar, a renda iria dobrar. Antes do mineroduto, comprava pão a R$ 0,25. Agora, é R$ 0,50. Não tenho água tratada, e a mineral é muito cara: até R$ 2,50 a garrafa. Se eu estiver empregada, a vida ficará menos difícil para nós’”, diz, esperançosa.
Violência cresce, mas PM "some" em Conceição do Mato Dentro
Renata Galdino - Enviada especial - Hoje em Dia
Samuel Costa/Hoje em Dia
A garçonete Eliana só volta para casa na companhia do marido, Rodrigo José Souza
CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – Moradores de Conceição do Mato Dentro, a 167 quilômetros de Belo Horizonte, estão praticamente sem ter a quem recorrer quando precisam da polícia. A instalação do mineroduto da Anglo American fez a população da cidade passar de 18 mil para 26 mil habitantes, devido à chegada dos trabalhadores. Mas, no mesmo período, o policiamento diminuiu. Antes das obras, em 2008, eram 26. Hoje são 15 para atender a sede do município e 11 distritos.
A situação piorou este mês. Seis policiais estão de férias ou participando de um curso de formação de sargentos em Diamantina. Os outros se dividem no patrulhamento das ruas e no trabalho interno, em turnos de 12 e 24 horas. “Mas se precisar ir para a rua, vai. Inclusive eu”, diz o comandante, tenente Bruno Andrade.
Ele alega que o efetivo foi reduzido devido a aposentadorias, e que o quadro não foi reposto por falta de concurso. Há casos em que soldados pediram transferência porque não conseguiram pagar aluguel de uma casa na cidade, valor que subiu até dez vezes, como o Hoje em Dia mostrou ontem.
O resultado é que a cidade chega a ficar sem um policial sequer nas ruas em determinados horários. O tenente admite que deixou de atender a uma ocorrência de furto na última quinta-feira porque os dois únicos militares no plantão noturno tiveram que levar um preso para a cadeia de Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 170 quilômetros. A cadeia de Conceição do Mato Dentro está fechada há dois anos.
O cenário não é melhor nas polícias Rodoviária, com três homens, e de Meio Ambiente, com quatro. Até a prefeitura teve negado o atendimento a uma ocorrência de crime ambiental. “Já era a quarta viagem de um homem despejando entulho na estrada. Acionamos a PM, mas ela não conseguiu atender”, diz o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra.
Cadeia pública
Interditada em 2011 após ação do Ministério Público Estadual, que denunciou a situação precária do imóvel, a cadeia pública de Conceição do Mato Dentro só deve ser reformada em 2014, por meio de um convênio entre a Polícia Civil e a Anglo American.
Uso de drogas e álcool faz violência aumentar
Sem divulgar estatísticas, a Polícia Militar afirmou que o aumento do tráfico de drogas e do uso de bebidas alcoólicas é responsável pela violência em Conceição do Mato Dentro. “Mas não podemos falar que a culpa é dos trabalhadores. A maioria dos casos envolve moradores”, afirma o tenente Bruno Andrade.
Uma fonte policial disse que, dos sete assassinatos em 2013 na cidade, três tinham ligação com o tráfico. Nos últimos cinco anos, não houve homicídios consumados relacionados ao uso ou venda de drogas.
“Traficantes da região metropolitana viram aqui um grande mercado consumidor, por causa de muitos trabalhadores que são usuários”, diz o comandante.
Após a “leva” de funcionários que chegou à cidade, o Ministério Público Estadual afirma que crimes contra as mulheres cresceram 30%, mas os dados ainda não foram tabulados. “Há homens que brigam com as companheiras devido a outros que vieram para as obras”, diz o promotor Marcelo Mata Machado.
Segundo a PM, o único registro formal de estupro aconteceu há dois meses e tem como vítima uma jovem de 19 anos, surda e muda. O suspeito, um trabalhador capixaba, foi preso e alega que a relação foi consensual.
Com medo, a garçonete Eliana Rodrigues Generoso, de 33 anos, só trabalha porque o marido dela a busca no fim do expediente, à meia-noite. “Quase todo dia alguém conta um caso de homem tentando agarrar mulher. Não denunciam por medo”.
O comando da PM em Minas prometeu para hoje um posicionamento sobre a situação na cidade. Já a Polícia Civil alegou “falta de tempo hábil” para comentar a questão.
Hoje em Dia
O drama vivido pelos moradores de Conceição do Mato Dentro, exposto nas duas últimas edições do Hoje em Dia, pode estar apenas começando. Os problemas devem se acentuar, quando estiver operando o mineroduto que está sendo construído para levar o minério de ferro até o litoral do Rio de Janeiro, para ser exportado.
Pois, junto com o minério, a tubulação de aço estará levando água doce que já não é abundante nessa região, apesar de suas famosas cachoeiras.
Esse fato motivou ambientalistas a se manifestarem contra esse empreendimento bilionário, na época em que se discutia a concessão de licença ambiental e de instalação da mina e do mineroduto. O governo não lhes deu a devida atenção. Conceição do Mato Dentro poderá ter o mesmo destino de outras cidades históricas mineiras, mais castigadas, no decorrer do tempo, do que beneficiadas pela riqueza que se escondia em suas terras.
Mineradoras poderosas, como a Anglo American, chegam nesses rincões com promessas de progresso. E vão embora, depois que o minério se esgota, deixando para trás terras e pessoas devastadas.
É irônico que um dos mais famosos conterrâneos dos que padecem hoje em Conceição do Mato Dentro, José Aparecido de Oliveira, tenha sido ministro da Cultura no governo Sarney, depois de ter sido o fundador da Secretaria da Cultura e da TV Cultura – hoje TV Minas –, quando Tancredo Neves era o governador. Pois, em sua terra, é a cultura de toda uma gente que a mineração vai aos poucos destruindo, juntamente com outros bens.
A reportagem observou a brutal transformação de uma comunidade de 18 mil moradores, depois da chegada, sem medidas de mitigação, de 8 mil operários de várias regiões do país, para as obras da Anglo American.
A empresa não construiu casas para abrigar os operários. Não era sua obrigação, pois “a implantação de alojamentos para peões na cidade não estava no licenciamento”, justificou o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra. “Sem essa previsão, não houve medida mitigadora dos impactos”, acrescentou.
Assim, a chegada de tantos novos moradores desestruturou toda a cidade, hoje ameaçada pela violência. Teria sido melhor se tivesse investido no ecoturismo.
Com tais precedentes, é de se comemorar o resultado do leilão feito ontem pela Agência Nacional do Petróleo. Nesta 12ª rodada de licitações, foram ofertados 240 blocos para exploração de gás, mas apenas 72 foram arrematados. A ANP arrecadou R$ 165 milhões em bônus de assinatura.
Ninguém se interessou pelos blocos da bacia do São Francisco. Assim, pelo menos por enquanto, essa bacia não será degradada com a possível exploração do gás de xisto, com a tecnologia usada nos Estados Unidos, mas proibida na França, pois representa grande ameaça às reservas de água do subsolo.
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Obras de mineroduto devastam Conceição do Mato Dentro
Renata Galdino - Enviada especial - Hoje em Dia
Samuel Costa/Hoje em Dia
Mineroduto Minas-Rio e mão de obra atraída para trabalhar na obra transformaram a cidade
CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – Conceição do Mato Dentro, a 167 quilômetros de Belo Horizonte, não é mais a mesma desde o início da implantação do mineroduto que, de 2008 para cá, levou 8 mil funcionários para a região. A instalação do empreendimento aumentou a oferta de emprego para moradores, mas outros benefícios para a população não aconteceram.
Agora, a um mês do começo da retirada dos trabalhadores da cidade, processo que deve durar até setembro de 2014, os 18 mil moradores enumeram os problemas que terão que enfrentar por causa da presença das empreiteiras.
A lista é extensa: ruas esburacadas e sem pavimentação, violência, áreas invadidas, trânsito sem sinalização e aterro controlado transformado em lixão a céu aberto.
Expulsos de casa
A consequência mais visível – e sem previsão de solução – foi a invasão de terrenos públicos por moradores que não conseguiram mais pagar aluguel. Uma locação por R$ 300 mensais subiu para até R$ 3 mil.
O Ministério Público Estadual (MPE) estima que 200 casas e pequenos prédios na área urbana viraram repúblicas para trabalhadores diretos e indiretos da Anglo American, responsável pelo mineroduto.
“A implantação de alojamentos para peões na cidade não estava no licenciamento. Sem essa previsão, não houve medida mitigadora dos impactos”, diz o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra.
Só agora, quase seis anos após o início da instalação do empreendimento, a prefeitura corre atrás do prejuízo. “Pedimos o número exato de funcionários e moradias usadas. Vamos cobrar a fatura”, afirma o secretário municipal de Meio Ambiente, Sandro Lage.
A Anglo admite que mantém trabalhadores em repúblicas, mas não reconhece os locais como alojamentos. Há 15 dias, porém, uma equipe do Ministério Público do Trabalho flagrou 172 operários abrigados em “condições análogas ao trabalho escravo” em um imóvel na área urbana.
Improviso
Os moradores que ocuparam áreas invadidas vivem em situação precária, sem água, luz e coleta de esgoto. É o caso do vigia José Antônio de Souza, de 24 anos, há três no loteamento irregular Vila São Francisco. “Não consegui pagar R$ 500 em um barracão de dois cômodos”.
Ponto turístico da cidade, o Parque Salão de Pedras teve 600 ocupações irregulares em três meses. “Em 20 anos, foram no máximo cem”, diz Sandro. A demarcação de 80% dos “lotes” já foi removida, mas o MPE cobra da prefeitura a preservação do espaço.
Quem ainda vive de aluguel luta para bancar a despesa. Há quatro anos, a garçonete Marinete Oliveira, de 27, pagava R$ 80 por uma casa na Vila Caetano. Hoje desembolsa R$ 200, mas o dono do imóvel quer R$ 600. “Se aumentar, terei que voltar para a roça”.
O problema está longe de ser resolvido. A prefeitura pretende construir um loteamento para essas famílias, mas precisa de R$ 22 milhões.
“É uma cidade de ‘papel’. Para tudo há diagnóstico e projeto, mas nada sai do papel. Se saiu, o resultado ainda é muito incipiente”, diz o promotor Marcelo Mata Machado.
Superpopulação faz pilha de lixo crescer e ‘condena’ aterro
Os moradores de Conceição do Mato Dentro terão que conviver por pelo menos mais um ano com um problema que, pela legislação federal, deveria ser extinto em agosto de 2014: o lixão.
Desde a chegada dos trabalhadores na região, aumentou muito o volume de resíduos produzidos e levados para o aterro controlado, às margens da MG-010. Há indícios de contaminação do lençol freático.
O lixão fica em um terreno com uma guarita sem vigia ou controle de entrada e saída de veículos.
“Em 2011, notificamos os responsáveis pelo projeto (do mineroduto) Minas-Rio, pedindo que cessassem o despejo de resíduos. Para o tamanho da nossa população, deveríamos aterrar o lixo duas vezes por semana, o que não fazemos mais”, admite o secretário de Meio Ambiente da cidade, Sandro Lage.
Ele não dá esperanças de que a questão será solucionada por agora. Órgãos fiscalizadores aplicaram pelo menos três multas, de R$ 50 mil cada uma, à administração municipal.
“A previsão para 2015 é a de criação de um aterro sanitário, mas ate lá o plano é fazer com que o lixão volte a ser um aterro controlado”, diz.
Na última quinta-feira, o Hoje em Dia flagrou o depósito irregular de materiais hospitalares na área, sem aterramento.
Questionada, a prefeitura disse que dentro de um mês uma empresa dará início à coleta de dejetos domiciliares e especiais.
Sustento
Enquanto isso não acontece, o risco continua para quem tira do lixão recursos para a sobrevivência. O catador Agnaldo Alves da Cruz, de 40 anos, e a mulher buscam diariamente no entulho material para vender. Os dois torcem para que o lixão continue aberto. “Se acabar, só Deus para nos ajudar”, diz Cruz.
Diante da indefinição quanto ao lixão, Conceição do Mato Dentro se prepara para implantar o aterro sanitário por meio de um consórcio com as cidades de Alvorada de Minas e Dom Joaquim. Na última segunda-feira, representantes dos municípios elegeram a mesa gestora do grupo.
Falta de vagas em creche afasta mulheres do mercado de trabalho
Se por um lado os homens conseguiram emprego nas obras do mineroduto, mulheres que precisam trabalhar não têm com quem deixar os filhos. As duas creches públicas de Conceição do Mato Dentro têm capacidade para 90 crianças. O Conselho Tutelar afirma que o déficit chega a 200 vagas.
Uma escola infantil está sendo construída no bairro Barro Vermelho desde 2011. A previsão era a de que a obra terminasse em julho deste ano, mas a edificação ainda está sendo erguida.
O prefeito Reinaldo César de Lima Guimarães diz que o atraso na construção é um “problema que advém da administração passada”.
O gestor afirma que o imóvel será concluído no próximo mês. Em nota, garantiu que mais duas creches serão abertas em 2014.
O Conselho Tutelar busca uma solução mais rápida. Por isso, enviou formulários aos pais de crianças matriculadas em creches.
Cobertor curto
“Se houver alguma mãe que não trabalha, vamos pedir a retirada do filho para ceder lugar para quem realmente precisa”, alerta a presidente da entidade, Jamile Daniel.
A lavradora Gracielma de Fátima Silva, de 31 anos, está na torcida. Mãe de nove filhos com idades entre 11 meses e 17 anos, ela tentou matricular as duas crianças mais novas, sem sucesso.
Sem ter com quem deixar os pequenos, a família se sustenta com R$ 700 por mês.
“Se eu pudesse trabalhar, a renda iria dobrar. Antes do mineroduto, comprava pão a R$ 0,25. Agora, é R$ 0,50. Não tenho água tratada, e a mineral é muito cara: até R$ 2,50 a garrafa. Se eu estiver empregada, a vida ficará menos difícil para nós’”, diz, esperançosa.
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Violência cresce, mas PM "some" em Conceição do Mato Dentro
Renata Galdino - Enviada especial - Hoje em Dia
Samuel Costa/Hoje em Dia
A garçonete Eliana só volta para casa na companhia do marido, Rodrigo José Souza
CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – Moradores de Conceição do Mato Dentro, a 167 quilômetros de Belo Horizonte, estão praticamente sem ter a quem recorrer quando precisam da polícia. A instalação do mineroduto da Anglo American fez a população da cidade passar de 18 mil para 26 mil habitantes, devido à chegada dos trabalhadores. Mas, no mesmo período, o policiamento diminuiu. Antes das obras, em 2008, eram 26. Hoje são 15 para atender a sede do município e 11 distritos.
A situação piorou este mês. Seis policiais estão de férias ou participando de um curso de formação de sargentos em Diamantina. Os outros se dividem no patrulhamento das ruas e no trabalho interno, em turnos de 12 e 24 horas. “Mas se precisar ir para a rua, vai. Inclusive eu”, diz o comandante, tenente Bruno Andrade.
Ele alega que o efetivo foi reduzido devido a aposentadorias, e que o quadro não foi reposto por falta de concurso. Há casos em que soldados pediram transferência porque não conseguiram pagar aluguel de uma casa na cidade, valor que subiu até dez vezes, como o Hoje em Dia mostrou ontem.
O resultado é que a cidade chega a ficar sem um policial sequer nas ruas em determinados horários. O tenente admite que deixou de atender a uma ocorrência de furto na última quinta-feira porque os dois únicos militares no plantão noturno tiveram que levar um preso para a cadeia de Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 170 quilômetros. A cadeia de Conceição do Mato Dentro está fechada há dois anos.
O cenário não é melhor nas polícias Rodoviária, com três homens, e de Meio Ambiente, com quatro. Até a prefeitura teve negado o atendimento a uma ocorrência de crime ambiental. “Já era a quarta viagem de um homem despejando entulho na estrada. Acionamos a PM, mas ela não conseguiu atender”, diz o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Ricardo Guerra.
Cadeia pública
Interditada em 2011 após ação do Ministério Público Estadual, que denunciou a situação precária do imóvel, a cadeia pública de Conceição do Mato Dentro só deve ser reformada em 2014, por meio de um convênio entre a Polícia Civil e a Anglo American.
Uso de drogas e álcool faz violência aumentar
Sem divulgar estatísticas, a Polícia Militar afirmou que o aumento do tráfico de drogas e do uso de bebidas alcoólicas é responsável pela violência em Conceição do Mato Dentro. “Mas não podemos falar que a culpa é dos trabalhadores. A maioria dos casos envolve moradores”, afirma o tenente Bruno Andrade.
Uma fonte policial disse que, dos sete assassinatos em 2013 na cidade, três tinham ligação com o tráfico. Nos últimos cinco anos, não houve homicídios consumados relacionados ao uso ou venda de drogas.
“Traficantes da região metropolitana viram aqui um grande mercado consumidor, por causa de muitos trabalhadores que são usuários”, diz o comandante.
Após a “leva” de funcionários que chegou à cidade, o Ministério Público Estadual afirma que crimes contra as mulheres cresceram 30%, mas os dados ainda não foram tabulados. “Há homens que brigam com as companheiras devido a outros que vieram para as obras”, diz o promotor Marcelo Mata Machado.
Segundo a PM, o único registro formal de estupro aconteceu há dois meses e tem como vítima uma jovem de 19 anos, surda e muda. O suspeito, um trabalhador capixaba, foi preso e alega que a relação foi consensual.
Com medo, a garçonete Eliana Rodrigues Generoso, de 33 anos, só trabalha porque o marido dela a busca no fim do expediente, à meia-noite. “Quase todo dia alguém conta um caso de homem tentando agarrar mulher. Não denunciam por medo”.
O comando da PM em Minas prometeu para hoje um posicionamento sobre a situação na cidade. Já a Polícia Civil alegou “falta de tempo hábil” para comentar a questão.
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