quarta-feira, 18 de abril de 2012

Jornal Estado de Minas publica série de reportagens sobre os diversos impactos provocados pela mineradora Anglo American em Conceição do Mato Dentro



MPs ouvem queixas das comunidades. Instâncias estadual e federal do órgão tentam intermediar relação entre Anglo American e moradores de Conceição do Mato Dentro


Zulmira Furbino -

Publicação: 18/04/2012 06:00 Atualização: 18/04/2012 07:15


O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do Estado realizaram ontem a primeira de uma série de audiências públicas em comunidades tradicionais e quilombolas em Conceição do Mato Dentro, Região Central do estado. O objetivo é ouvir as queixas da população rural afetada pelo projeto Minas Rio, da mineradora Anglo American. De acordo com a procuradora da República Silmara Goulart, do MPF, os atingidos pelas obras se deparam com oito situações diferentes no processo de instalação da multinacional.

Os casos vão desde aqueles que assinaram contrato de venda com a empresa, foram reassentados e se depararam com descumprimento de cláusulas do contrato até os que, apesar de sofrerem o impacto das obras, não são considerados atingidos pela multinacional. Ao todo, a empresa reconhece que o empreendimento atinge 69 famílias, mas, para a promotoria, esse número é bem maior.

José Pepino, como é conhecido o lavrador José Adilson Miranda Gonçalves, tem uma propriedade com três nascentes na comunidade de Água Quente. Ao tomar o microfone, durante a audiência, ele empunhava dois vidros de maionese cheios de água. Na mão direita, trazia o líquido claro, próprio para o consumo, que ele vem sendo obrigado a buscar longe de casa. Na esquerda, mostrava um líquido escuro e viscoso, que hoje corre nas três nascentes de suas terras. “Tenho três nascentes, mas hoje é só lama, lama, lama”, protestou.

Há três anos, segundo José Pepino, a água que brotava em sua terra era límpida. Ele criava vacas, bezerros, porcos e galinhas e tinha como saldo do trabalho mensal um rendimento de R$ 2,2 mil. Na temporada do Jubileu, em Conceição do Mato Dentro, chegava a faturar R$ 6,5 mil. Agora, uma tragédia se abateu sobre o pequeno produtor rural. “Nessa água, meus avós e meus pais lavaram seus imbigos (sic). Minha mulher lavava as roupas de cama. Era uma água cristalina”, lembra.

Agora, de acordo com ele, por causa mineração, a família perdeu dois capados, nove vacas e 150 cabeças de galinha. “Tenho uma vaca com o sangue secando e dois bezerros evacuando sangue. Parei de vender os capados no Jubileu porque eles estão morrendo. Meu rendimento caiu para menos que um salário mínimo. Luto de cá para lá para faturar quinhentinho (R$ 500).” A esposa do lavrador deixou de produzir doce de goiaba. “Havia 365 pés da fruta em seu sítio”, argumentou o lavrador. Agora, segundo ele, ficou tudo coberto por dois palmos de lama. A horta não produz mais nada. ”Arranquei a minha manga de porco”, lamenta, referindo-se à eliminação da criação do animal.

Detonações

No povoado de Córregos, a empresa instalou um sismógrafo que funciona em alguns dias da semana para medir a intensidade das explosões, mas a população se queixa de que no dia em que ele funciona praticamente não se escuta o barulho da detonação, situação que mudaria radicalmente quando a medição não está sendo feita. Maria Odete de Almeida é moradora da comunidade. Segundo ela, o teto da igreja, construída no século 18, está caindo.”O telhado está trincado. A gente não sabe se é por causa dos estouros, mas, quando as explosões acontecem, a água do copo que está em cima da mesa treme e a criação sai correndo para o curral. Há dúvidas sobre o que vai acontecer com as duas nascentes locais.”

Transporte deixou 100 para trás

Na audiência pública de ontem, cerca de 150 pessoas, a maior parte integrantes de famílias de lavradores tradicionais e quilombolas relataram problemas que estão enfrentando com a contaminação da nascentes de água, envenenamento da criação, fragmentação e perda de coesão de comunidades e famílias, invasão de terras e retirada sem autorização de equipamentos como porteiras e cercas, usados para delimitar as propriedades. Mais gente era esperada, mas cerca de 100 pessoas do povoado de Jacém não puderam comparecer por falta de transporte.

Carlos Eduardo da Cruz, diretor da Escola Estadual de São José do Jacém, conta que anteontem dispensou os alunos para que todos os moradores, incluindo as crianças e seus pais, pudessem participar da audiência. “Acontece que o ônibus escolar não apareceu. Eu ligava para o motorista e nada. Acabei conseguindo trazer só algumas pessoas”, relata.

A Anglo American pediu para ser ouvida, mas os promotores negaram a solicitação porque o espaço estava destinado apenas à comunidade. O gerente geral de desenvolvimento sustentável da multinacional, José Roberto Centena, disse que a empresa nunca se recusou a escutar a comunidade e que existem programas de reassentamento que ela vem seguindo. “Tudo isso foi aprovado pelos órgãos ambientais”, disse. (ZF)

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