sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A força da mente.

Miguel Nicolelis, neurocientista frequentemente apontado como possível ganhador do Nobel, aposta que, em poucos anos, humanos poderão realizar tarefas apenas com a força do pensamento







Controlar objetos por meio do pensamento parece um sonho impossível, mas que não está tão distante na visão de um grupo de neurocientistas. Liderados por Miguel Nicolelis, pesquisador sempre considerado como potencial vencedor de um Nobel, neurocientistas trabalham na criação das chamadas interfaces homem-máquina (ICMs), equipamentos que ampliariam as atuais capacidades humanas. Esses aparelhos seriam conectados a sensores presentes no cérebro de seus usuários, que poderiam realizar as mais diversas tarefas – como dirigir um carro ou conversar – a partir de simples comandos elétricos disparados pela mente.

O cenário é descrito por Nicolelis no livro Muito além do nosso eu (Companhia das Letras), lançado recentemente. No texto, ele faz uma retrospectiva sobre as principais ideias que cercaram a neurociência do século 20 e explica por que suas teorias não são roteiros de ficção científica. Em experimentos realizados ao longo dos últimos 25 anos, o pesquisador – que participa da formação de especialistas no Instituto Internacional de Neurociências de Natal (RN) – comprovou que é possível acionar máquinas por meio do poder do pensamento. A curto prazo, isso vai permitir a construção de um exoesqueleto, que será utilizado por pessoas com dificuldades de locomoção. No futuro, porém, a ideia é que as ICMs sejam utilizadas por qualquer mortal.

As ideias de Nicolelis têm base em uma nova visão da ciência sobre o cérebro. No começo do século passado, cientistas passaram a questionar o que havia sido estabelecido até então sobre a mente humana. Segundo a abordagem clássica, o cérebro é segmentado, com neurônios trabalhando sistematicamente tal qual operários em uma fábrica. “Durante muito tempo, a imagem que estava relacionada ao entendimento dessa região era a dos neurônios. Acreditava-se que se ligássemos todos eles iríamos entender o funcionamento do sistema”, conta Nicolelis.




Essa engrenagem, contudo, é bem mais complicada. Isso porque as diversas atividades cerebrais só dão certo quando populações de neurônios emitem sinais elétricos de forma conjunta. Ignorar esse fato, diz Nicolelis, seria como tentar entender a floresta amazônica analisando apenas uma árvore. “Na mente, a coisa ocorre mais ou menos como em uma democracia, na qual nossos comportamentos são definidos por meio de uma eleição”, detalha o neurocientista.

Outra característica percebida pelos pesquisadores ao longo do tempo foi a capacidade de aprendizado do cérebro. Mais que isso: verificou-se que a mente pode ser educada para realizar ações voluntárias. Exemplo disso seriam as atitudes dos motoristas quando enxergam o sinal vermelho, amarelo ou verde no trânsito. “Não está escrito no genoma de ninguém que é para frear quando a luz está vermelha; isso virou um comportamento condicionado pelo cérebro”, aponta Nicolelis. “A mente é a única orquestra do mundo que produz música capaz de mudar os instrumentos da própria orquestra”, poetiza, em uma das inúmeras comparações que faz para explicar suas teorias.

Experiências







Ainda na década de 1980, Nicolelis e sua equipe na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, conseguiram registrar a atividade elétrica de 12 neurônios. Para se ter uma ideia de como isso é difícil, hoje, o time está perto de avaliar mil células nervosas, entre as centenas de bilhões que existem no cérebro. “Ao inserir eletrodos na região, você precisa ter hardware para processar os sinais elétricos em tempo real. E isso está no limite do que a gente pode fazer atualmente do ponto de vista da tecnologia.”

As limitações não o pararam. Em 2003, Nicolelis mostrou ao mundo como uma macaca controlou, por meio de pensamentos voluntários, um braço mecânico que estava a mil quilômetros de distância. Basicamente, os cientistas educaram o animal a movimentar um joystick para atingir um alvo em uma tela de computador. Cada vez que o bicho acertava, era recompensado (suco de laranja). Depois, retiraram o joystick, mas mantiveram a cena em frente à macaca, que, surpreendentemente, continuou registrando a atividade elétrica para continuar recebendo as gotas de suco. Os sinais de seu cérebro, então, foram transmitidos para o braço mecânico, que se mexeu a partir da força do pensamento da macaca.

Uma experiência semelhante foi realizada cinco anos mais tarde, mas, dessa vez com um robô inteiro no Japão – o primata continuava nos EUA. Em parceria com um cientista australiano, Nicolelis fez com que o animal conduzisse movimentos complexos no robô, consagrando a interação homem-máquina. É o sucesso dessas duas pesquisas que alimenta o sonho de Nicolelis: fazer com que uma pessoa com deficiência use um exoesqueleto para dar o pontapé inicial na abertura da Copa de 2014. A estrutura, equipada com sensores, será comandada pelos impulsos do brasileiro que der o chute. “Queremos mostrar ao mundo, no país do futebol, todo o potencial da ciência brasileira”, diz.


Realidade virtual

Isso tudo Nicolelis planeja para o futuro próximo. Os sonhos do pesquisador, no entanto, vão muito além. As ICMs, diz o cientista, serão responsáveis por facilitar a vida de todos os humanos, que poderiam controlar objetos do dia a dia por meio do poder do pensamento. As mesmas interfaces também poderão trazer sensações nunca antes imaginadas. Isso porque os mesmos robôs que têm movimentos controlados pela mente seriam capazes de transmitir a seus “usuários” informações sobre o cheiro, a textura e o paladar de ambientes remotos. E, incrivelmente, essa hipótese futurista tem base em experiências científicas realizadas nos últimos anos.

Avatar

Em uma pesquisa recente, a equipe de Nicolelis apresentou para uma macaca um avatar de si mesma. O animal tinha, à sua frente, uma tela com braços que imitavam os seus membros biológicos. Seu objetivo era encostar a mão em um dos três alvos virtuais. Apenas um deles gerava a recompensa (suco de laranja, o preferido dos macacos). O alvo correto tinha uma textura diferente, que era buscada pelo bicho a cada nova rodada – os alvos mudavam de posição. Depois de um processo de treinamento semelhante ao feito com o joystick, a macaca aprendeu que deveria procurar essa sensação tátil, mesmo que somente via impulsos elétricos do cérebro.

O fenômeno ocorreu porque, segundo Nicolelis, as ferramentas usadas por primatas (entre eles, o homem) são assimiladas como expansões do corpo. “Nosso senso de ‘eu’ não termina na nossa pele, mas sim na última camada de átomos da ferramenta que nós estamos utilizando”, argumenta. Nas ICMs, o retorno da máquina – o avatar da macaca, por exemplo – ocorre porque o ambiente envia para o cérebro sinais que indicam diferentes sensações. Assim, não seria difícil fazer com que o corpo humano experimentasse a superfície do Everest, por exemplo; bastaria ter um robô capaz de transmitir os dados. Isso, é claro, ainda depende de muitos avanços, principalmente no que diz respeito aos sensores implantados no cérebro. O primeiro passo, porém, foi dado.


Fonte: www.uai.com.br Reportagem; Carolina Vicentin





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